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sábado, 14 de agosto de 2010

Derramado

Que formoso! Belo esse véu que usa. Que encobre seus cabelos lisos, de coloração, por mim, apreciada. Sua coroa é tão adequada a você, que parece ter sido feita sob encomenda. Sua maquiagem tão bem feita, tão carregada... a ponto de te fazer desconhecida por escassos instantes. Só quem te conhece tão bem poderia te reconhecer de cara. Até mesmo eu – que acho que te conheço - demorei. Tua aliança. Tão viva sobre as luzes fortes dos lustres da igreja. O detalhe do vestido, que parece ter sido feito pela melhor costureira da cidade. Seus passos, meigos como o modo que você segura seu buquê de rosas brancas. Sua pele, delicada como o contado que sua mão faz...em outra mão.
Esquece. Apaga tudo. Vamos reescrever essa prosa. Seus olhos nem ao menos brilham. Seus cabelos estão escondidos, é como se não fosse você. E essa coroa, você acha que realmente a merece? Olha pra cá, veja quem está aqui na terceira fileira de assentos. Do lado direito, pra ser mais exata. Sim, sou eu. Lembra de mim? Sua maquiagem não cobre aquilo tudo que já viveu. Não esconde suas mentiras ou suas piores manias. Não me faz esquecer os seus valores incompreensíveis. Você acha que uma aliança expressa alguma coisa? Eu não precisei de uma. Nem você nunca precisou. Acho que basta estar junto e se amar, não? Você realmente necessitava de uma? Estas luzes não te favorecem mais, noiva. Elas abismam os brilhos dos teus olhos e te deixam horrivelmente pálida. Ande direito. Não olhe pra trás, não. Isso talvez a faça parar no meio do tapete vermelho. Nem para o lado, se possível. Você é capaz de tropeçar. Essas rosas brancas ficarão murchas e você as jogará fora. Elas fenecerão. E nem venha me dizer que você sente algo em sua mão. Aquilo não é um aperto de mãos. Quem sabe aquilo não seja nem um contato.
Mas vai. Continua andando como se nada tivesse acontecido. Caminhe como se estivesse indo buscar frutas no bosque. Como se este fosse de fato seu fado. Segure firme este buquê, pois a sua fragrância talvez possa perfumar sua vida. Sem cair, por favor. Afinal, esta foi uma escolha sua. Não corte seus dedos com os espinhos da rosa. Não serei capaz de te ver sangrar.
Todos mudaram, eu sei. Eu vou continuar aqui, na terceira fileira, até o final da cerimônia. E enquanto isso vou me lembrar das coisas que nos fez rir muitas vezes, e chorar também. E enquanto eu estiver ouvindo suas juras de amor, vou me lembrar das nossas. Eram tão eternas pra mim, que dói. Mas olhe pra cá antes de dizer sim. Nem que seja pelo canto do olho. Precisamos de um ultimo contato visual. Antes de aceitar, se relembre de tudo aquilo que eu recordei. Volte um passo para avançar esse, que vale como milhares.
E siga. Deixe seu coração comandar. Sinta o cheiro das flores, das velas queimando no altar, do perfume de todos ali presente. Escute seus batimentos cardíacos. Será que eles estão devidamente acelerados? Ou precisamente parados? E aí eu espero que responda com toda certeza que há em você. E siga... Sua intuição, seu coração, sua razão, seus perfumes, seus calores, seu amores, seu passado, seus passos, seu maior tropeço.
Apenas siga em frente.

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