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quinta-feira, 1 de julho de 2010

Capitulo 6 Final- Para você o paraíso, para mim, o pesadelo

Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1990, Sábado.
Não deveria me preocupar, afinal, acho que o que ela queria era que eu seguisse em frente. Mas estou com medo, talvez eu nunca mais sinta aquilo de novo. É impossível sentir a mesma sensação de novo. O que eu preciso é de um porre de cachaça, pra ver se eu esqueço sua voz aveludada. De um soco na cara, talvez, para ter certeza. Ou talvez, muito talvez, eu só deva procurar alguém, ou algo que me ocupe. Um baseado seria bom.
Dois.

12:04



Senti-me tonta e meus reflexos foram invertidos pela situação. Deveria simplesmente desmaiar no sofá mesmo. Mas levantei, precisava respira o ar puro que vinha mais de cima, na direção da janela. Uma brisa gelou minhas narinas. Senti minha garganta esfriar, e o ar que nela percorria se chocar com o calor que subia. Ele me teve a vida inteira e eu nunca senti a reciprocidade disso. E agora, eu preciso admitir: eu sinto. E isso, por mais esperado e inesperado que tenha sido, me causa dor. Porque eu sei que agora ele é a única pessoa que pode estragar a minha vida e a única que pode me salvar dela. Segurei seu queixo com as duas mãos. Nunca vi tanta ternura num olhar. Levantei seu rosto, me inclinei um pouco e beijei seus lábios quentes com gosto de menta.
- Tem tanto tempo que eu espero isso, que eu não sei como reagir.
- Bom, é só você falar que sim.
- Dessa fez vai ser de verdade?
- Dessa vez, nós nunca mais vamos acordar de um sonho.
Quero me encontrar, me perdi nos últimos instantes. Ela aceitara, não? Então, eu precisava sair de lá com ela, ver o que eu nunca soube que existia: meu filho. Meu menino, meu Lucas. Eu sempre me imaginei um bom pai. Sempre pensei em ensinar meu filho a andar de bicicleta ou chutar a bola no ângulo do gol. Pensei que pudesse dividir com ele suas dores adolescentes. Mas ele agora já é um homem feito. Gostaria de pelo menos poder ouvir sua voz. Será que ele se parecia comigo? Levantei, e encarei minha noiva com um sorriso torto no rosto. Minha noiva.
- Vamos? Quero ver nosso filho!
- Vamos! Ele está lá em casa com uns amigos, vão assistir o jogo do flamengo juntos.
- Não acredito que você transformou nosso filho em flamenguista, Julia.
- Acontece...
Entramos no carro dele e quando saímos da garagem vi o sol se esconder atrás dos prédios e se despedir da cidade. Logo um raio de luz me forçou a fechar os olhos. Acho que nunca me senti tanto em paz. O calor fraco do sol esquentou levemente minha pele e pude me lembrar como foi bom deitar nos seus braços pela primeira vez. Seguimos para botafogo pela orla, passando por cada bairro que desenhara páginas de minha vida. Cada esquina, uma historia. Cada historia, uma emoção. Mas nenhuma, nenhuma comparada aquela que estava sentindo. A brisa do mar tocando meu rosto, meu corpo relaxado no banco do carona, o amor da minha vida ao meu lado. Nada disso se comparava a tudo aquilo que eu já tivera presenciado e amado. Eu estava feliz.
Esperei tanto por isso. Para ver um sorriso seu que eu sabia que não era forçado. Nunca pensei que eu fosse me casar beirando os 40 anos, muito menos já tendo um filho há tanto tempo, ainda mais com a mulher que amei desde a primeira vez que vi. Estávamos passando por Copacabana, entrando na Rua Princesa Isabel, quando observei seus olhos. Fiquei tempo demais os observando. Foi tudo muito rápido. De repente uma buzina ensurdecedora me avisou que entrara na contra-mão. Virei o volante para a esquerda com toda a força que tive tempo de resgatar. Mas senti um impacto. Sirenes, buzinas, gritos e pessoas histéricas. Tudo isso até que algo perfurou meu braço.
A dor era tão grande e tão prolongada que eu não conseguia respirar. Um pouco antes de sentir, sabia que iria doer muito. Mas nunca se passou pela minha cabeça que a dor seria tão insuportável. A última cena que meus olhos puderam registrar foi quando o farol direito do carro que vinha em nossa direção se chocou em mim. E nesse instante, aquele mesmo filminho se passou em um segundo. Vieram-me lembranças de quando eu era criança. E eu só tive tempo de refletir e me fazer uma única pergunta: é assim que isso vai terminar?

O carro finalmente parou depois de dançar sem jeito pela pista de asfalto. Tudo era sangue e toda parte do meu corpo latejava. Abri os olhos e por reflexo olhei com o canto do olho para o lado – já que meu pescoço era o que mais doía – para ver Júlia. Naquele momento eu não me importei o que doía ou se me faltava algum membro do corpo. Não me importei se eu respirava ou se não tinha força alguma para levantar. Quem foi o animal que arrancara meu coração com as próprias unhas? Que pai era Ele, capaz de despejar em mim tanta angustia? Levantei, dei a volta, olhei o carro trepado sob o meu. Só consegui levar minha mãos ao rosto. E chorar, soluçar de chorar. Eu, diante da mulher que eu amava, grande entendedor de medicina. Sem habilidade para salvá-la. Não havia jeito, ela perdera muito sangue e eu sabia disso. Pessoas se juntaram ao redor do acidente e poucos minutos depois chegou a polícia cercando o local e uma ambulância.
Retirei-a do carro com a maior cautela do mundo, como se ainda houvesse a possibilidade de quebrá-la. Ajoelhado no chão, deitei-a em meu colo, derramando sangue em minhas pernas. E nisso vieram os médicos da ambulância em minha direção, pedindo a todos para se afastarem. Alguns minutos depois, já havia o jornal da tarde fazendo uma reportagem e isso me deixou indignado. Pessoas faziam dinheiro enquanto eu assistia minha mulher perder vida em meus braços.
- Senhor, nós precisamos levá-la para o hospital.
- Vocês não vão levar a Júlia pra lugar nenhum!
- Mas senhor, você está louco? Ela está morrendo, nós precisamos ajudá-la.
- Não fale essa palavra, seu filho da puta! Ela não está morrendo. Ela não está morrendo...
- Nós precisamos levá-la!
De repente três policiais me seguraram por trás e quatro médicos a colocaram na maca para levá-la para o hospital. Eles não podiam ter feito aquilo. Eu era médico, eu sabia o que ia acontecer. Mas naquele momento, mais do que qualquer coisa, eu era humano. Eu era alguém que amava. E quando se ama muito, simplesmente não se raciocina em momentos como aquele. Senti minhas mãos suadas e meus olhos inchados de tanto chorar. Eu precisava gritar, então o fiz. O mais alto que pude, o mais sofrido que consegui, o mais verdadeiro que eu poderia ser.
- Vocês não podem tirar ela de mim, vocês não podem! Júlia! Volta! Seus filhos da puta! Voltem com ela! Eu não to preparado pra perdê-la, merda! Filhos da puta! Júlia! Eu te amo! Eu te amo, meu amor...
E então eu desmaiei. Tudo ficou preto e eu ainda podia, de alguma forma, sentir o aroma do seu perfume adocicado. O tempo havia se esgotado e eu não tinha a menor idéia do porquê. Parece que foi ontem que eu te vi pela primeira vez e que arranquei um beijo seu. Você se foi antes que eu tivesse qualquer oportunidade de me despedir de você. Você simplesmente se foi.

Pra sempre.

Um comentário:

  1. você me frustrou. devo ser uma romantica de pé quebrado que acha que todo final deve ser feliz..

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