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quarta-feira, 14 de abril de 2010

Capitulo Um - A Menina do Outro Lado da Rua

Rio de Janeiro, 5 de fevereiro de 1989, Domingo.

Querido diário,
Eu traí. Deixei todo um sentimento de lado, 4 anos e meio e outras coisas irem embora, em uma só noite. Desperdicei. Deixei fugir. Tudo escrito aqui até então, se foi. O vento secou, o tempo morreu pra mim, não existe vida após isso. Ela se foi, pra sempre, levando junto a si parte de mim. Arrumou as malas, saiu da cidade e nem esperou eu terminar de me esclarecer. Parece que não adormeço há dias. Quero recuar no tempo. Eu a quero de volta.
15:32





O pandemônio ensurdecedor do meu despertador me acordou às 8h, lembrando-me que hoje é segunda-feira. Esfreguei meus olhos remelentos com as mãos fechadas, para que minha visão voltasse ao normal. Espreguicei-me, estralando todos os ossos do meu corpo. Retirei o cobertor, me sentei e ali fiquei durante dois minutos. Eu estava realmente exausto. Beber com os amigos domingo, não é uma das melhores alternativas quando se sabe que vai acordar cedo – e para ralar num hospital - no dia seguinte. Tomei uma ducha, unicamente para despertar e, ao sair do Box, fiz a barba deixando-a bem curta – já que o barbeador parou de funcionar ainda quando estava aparando-a, me impedido de terminar o serviço - e com uma aparência saudável, diferente de como estava antes. Fui até a cozinha e enquanto a água do café não borbulhava, aprontei um sanduiche de presunto extremamente mal-feito. Bebi o café ardente e como de costume, queimei o céu da boca. Para suavizar, comi o sanduiche e bebi uma água bem refrescante. Vesti-me rapidamente, escovei os dentes e desci até a garagem. Liguei o carro e me lembrei de que meus cigarros haviam acabado. Decidi ir mesmo assim até o hospital e comprar por ali mesmo.
Merda, merda, merda! Acordei às 8h e 24min completamente desesperada. Havia esquecido mesmo de que tinha uma entrevista importantíssima marcada as 10h, e que não poderia aparecer por lá com um aspecto dorminhoco e desleixado como era de praxe. Vesti-me em um segundo e desci as escadas do prédio – já que morava num prédio de 3 andares antigo, no qual a eletricidade tinha sido descoberta a pouco – e entrei no meu Fiat velho. Apertei quinhentas vezes o botão da garagem, mas aquela merda estava com a pilha fraca. Chamei o porteiro 4 vezes e ele nem se quer apareceu. Tentei mais uma única vez – já estava pensando em pegar um taxi – mas ele veio correndo e abotoando as calças.
- Calma, Dona Júlia, já abrirei o portão para a senhora.
Acelerei tão pesadamente o carro, que ele até chiou. Minha entrevista de artes cênicas com um homem - que não era muito mais velho que eu - seria ao lado de um hospital público, que agora não me recordo bem o nome. Parei em uma banca de jornal a fim de comprar as pilhas para a porra do meu controle da garagem.
Uma mulher, que deveria ter lá seus 30 anos, cruzou a rua e eu podia jurar que vinha em minha direção. Seus cabelos louros sacudiam com brisa e eu podia quase senti-los batendo, esfriando e arrepiando sua nuca. No meio de toda distração que ela me causou, lembrei-me de precisava comprar além maldito cigarro, pilhas para o meu fiel barbeador Sony.
Estava atrapalhada, revirando notas de 2 reais espalhadas na minha bolsa. Quanto custa uma pilha palito? Eram 8h e 47min, me acalmei. Não estava tão atrasada como suspeitava. Não sei por que, mas minha carteira se resumia em bagunça. Eu nunca fui mesmo muito organizada...
Seu Manoel me saudou sorridente, como se já fosse sexta-feira.
- Dr. Michel, vai querer o de sempre?
Antes que eu pudesse respondê-lo, chegou as minha narinas aguçadas um cheiro suave e doce, que me tocou de certa forma.
- Bom dia, Sr. – disse a mulher que eu já havia paquerado de longe minutos atrás.
- Sim, Carlton vermelho, por favor. – falei rapidamente.
Aproximei-me de – algo que se parecia com – uma banca de jornal. E decidi comprar ali mesmo as pilhas para o controle da garagem. Ninguém merecia depender da boa vontade do meu porteiro Zé para chegar a tempo em algum compromisso todo dia.
- Bom dia, Sr. – saudei o vendedor, ainda revirando a bolsa.
De repente uma voz grossa, com um timbre fascinante, ecoou no meu ouvido direito, pedindo por cigarros de filtro branco. Lembro-me da época em que eu fumava e lembro-me de como demorou abandonar este vício.
- O Sr. tem pilhas do tipo AAA? – Nós dois perguntamos juntos, no mesmíssimo tom de voz.
Eu parei e dei uma risada. Na verdade eu não tinha achado graça alguma de nada por ali. Ri mesmo por estar nervoso, como sempre fico ao lado de uma mulher bonita como aquela. Bonita, não. Ela era linda.
- Devo me desculpar, mas só tenho esta única embalagem de pilhas AAA. Chegará mais amanhã.
- Então, por favor, venda a esta moça.
- Júlia, por favor.
- Venda a Júlia, Seu Manoel, minha máquina de barbear pode esperar até amanhã.
Ele se virou e entregou em minhas mãos a embalagem das pilhas AAA. Encostei por acaso em sua mão quente e me subiu um calafrio. Naquele momento, naquele exato momento olhei para seus olhos acinzentados que me engoliam, e me dei conta em um segundo : Ele era o Michel.

4 comentários:

  1. gostei, mas quero ver o resto. P.

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  2. hm, ele era o Michel.

    (como é de praxe, demorei alguns momentos para saber quem era quem, hehe)

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  3. hm, a Julia não tem barba..

    (como é de praxe, demorei alguns momentos para saber quem era quem, hehe)

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  4. Ps: eu também quero ver o resto!

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