Fazia frio, bastante frio, mas não daqueles de fazer congelar os dedos dos pés. Não chovia, nem tinham raios talhando o céu. Era um dia ordinário, sem muitas aventuras, como era de se aguardar. Menos pelo fato de que seria o dia da minha primeira consulta como o meu novo – e terceiro – psicólogo. Ao chegar à porta do tal consultório, toquei a campainha e protegi minha mão fria e úmida no bolso a fim de aquecê-la. Atendeu-me um senhor, bem velhinho, segurando uma bengala de madeira.
- Aqui é consultório do Dr. Alexandre?
- Não. Aqui é a residência do Sr. Vicente e você acaba de atrapalhar o sono dele.
E a porta se fechou e minha expressão também. O consultório era na porta ao lado, percebi isso depois que colocar os óculos e descobrir que o me parecia um 2, na verdade era um 3. Pronto, 153, não tem erro. E lá estava o Dr. Alexandre, abrindo a porta, me olhando com um sorriso bucólico. Ele era alto, seu cabelo era grisalho e estava totalmente em forma para sua idade. Usava uma roupa nem casual, nem formal. A verdade é que não parecia bem um analista e sim, um empresário.
- Carlos, certo? Entre, por favor.
- Sim, obrigado.
Seu consultório tinha uma iluminação perfeita. A luz era fraca e confortável para os olhos de qualquer um. Com um gesto gentil ele apontou para um sofá estilo Luis XV no meio da sala e pediu para que eu me deitasse. O sofá bege se posicionava de maneira em que eu não pudesse ver a grande poltrona de couro que ele em instantes se sentaria, logo atrás de mim. Na minha frente, uma parede inteira de vidro dava para uma vista privilegiada da paisagem invejável do Rio de Janeiro.
- E então, o que te traz aqui, rapaz?
De fato, não era uma pergunta complicada. É muito fácil para alguém dizer o que te traz a algum lugar. Não era pra mim. Precisei me concentrar para não engasgar nas palavras.
- Acho que sou louco, ou quem sabe tenho só um distúrbio psicológico.
Ele riu. Talvez assim como pra mim aquelas palavras soaram cuspidas, pra ele também. Ele se levantou. Sem que eu tivesse percebido de cara, me deu um copo d’água e uma caixinha com lençinhos de papel. Estranhei. Será que todo mundo vem aqui pra se lamentar da vida medíocre que leva? Não quero ser só mais um nesse consultório. Temo que eu não possa controlar isso. Assim como nada na minha vida insignificante. Medíocre.
- Fugi de casa há quatro dias, estou morando com um amigo. Meus pais aparentemente me odeiam. Transei com a minha professora de geografia na sala da diretora. Sou péssimo em Matemática. Odeio crianças. De verdade, odeio o jeito que elas andam tropeçando em si mesmas e quando babam nos seus brinquedos. E, por outro lado, acho que ter filhos é o que eu mais quero na minha vida. Você acredita, que ela ama outra pessoa? Consegue imaginar a única pessoa que extrai seu ar, faz seu coração ferver, seu corpo contrair, suas mãos transpirarem e estremecerem só por estar se aproximando? Ela ama outra pessoa...
Respirei fundo, tirei um lenço. Não estava chorando, mas algumas lagrimas pesadas caíram sem querer. Não me lembrava mais que havia alguém atrás de mim, era impossível não notar a presença de alguém naquela sala, mas eu não notei.
- Eu nunca ganhei um campeonato de futebol, nem nunca soube tocar nenhum instrumento. Nunca fui bom em nenhum jogo de videogame e sempre odiei comer cenouras e beterrabas. Não aprendi a andar de bicicleta com o meu avô. Eu nunca nem ouvi a voz dele. Não sou bonito e não canto bem. Eu sei lá... eu sou desastre. Não faço nada direito!
- Carlos, você não precisa ser um rockstar nem um jogador de futebol para ser normal. Muito menos comer legumes. E, combinemos, transar com a professora e sair de casa são coisas que todos querem fazer na sua idade, apenas não tem audácia ou destreza para isso. Você chora e isso já te faz um homem bonito. Querer ter filhos é natural, mas não precisa ser com o seu primeiro amor. Amores vêm e vão, apenas o que resta são as experiências que eles dão. Sofrer, sentir dor, choramingar, é coisa do ser humano. Somos teatrais e fantasiosos, a única diferença é que uns demonstram muito seus sentimentos e outros escondem, por vergonha. Amar e chorar por amor não é pecado algum, é uma dádiva. São poucos que amam legitimamente. A maioria só pensa estar amando. Ela não ama outra pessoa, ela está com outra pessoa. E sabe o que se leva disso tudo? Eu não sei. Porque há coisas que te ajudam a crescer e outras que só servem pra ilustrar a vida. Então, Carlos, viva.
gostei muito camila, do final em especial. Mais uma vez voce conseguiu expressar certas coisas que eu pensava que nao pudessem ser encaixadas em palavras.
ResponderExcluirum beijao, ju
Gostei, até certo ponto. Mas prefiriria que Carlos descobrisse tudo que seu psicólogo disse, sozinho. Assim como espero que você descubra que esse texto tá do caralho, sem que eu precise dizer isto a você... Não resisto:
ResponderExcluirEsse texto tá do caralho.
Tá um puta texto, Camila!
ResponderExcluirESSE TEXTO TÁ DO CARALHO 2!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirMais uma vez voce conseguiu expressar certas coisas que eu pensava que nao pudessem ser encaixadas em palavras. 2
Adorei, Cami! Acho que é o meu preferido daqui, Mariana
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